Jean-Luc Godard, Band of Outsiders, 1964.
I.
Dividimos o mesmo chão
no mundo impenetrável dos que aparentam certo atraso para compromissos inadiáveis. Não nos cumprimentamos embora já tenhamos tido questionamentos parecidos nunca antes ditos em alto e bom som. Na fila da padaria ou dos supermercados que dividimos suados em horário de almoço tomamos precauções para evitar o toque
a pele tímida
na pele dos outros entre nós nunca existiu contato visual se existiu não há registros além de câmeras de segurança
assistidas por ninguém
puxamos a falha na memória seletiva por gostos mais hostis.
II.
Somos os mesmos embora nascidos de outras mulheres alimentados da mesma ganância engordamos para girar capital engravatados ou à paisana possuímos traseiros arrojados em confortáveis carros do ano
motocas ou bicicletas
também no acessível modelo popular
esquecemos que andar ainda funciona na selva de concreto prestes a nos engolir. Respiramos poeira de escritório nos adaptamos a sobreviver
de coração silenciado
junto aos telefones móveis
em ambientes mais sérios
avisos espalhados: não se pode incomodar! Bom dia breve nos elevadores abafados
cabeças inclinadas
acenos e perguntas superficiais
ensaiadas para não querer saber
oi como vai não prolongue respostas aceitável é o automático e a falta de detalhes é a cordialidade do século XXI. III.
É preciso forçar certas revoluções
burlar o sistema sem se preocupar em ser visto se a vida for mesmo essa pressa que ao menos os poemas sejam vividos com calma. Achamos escrever delicioso mas é uma delícia abafada
entre os relatórios urgentes da mesa.
Nos amassamos e jogamos fora
não nos mostramos pra ninguém.
Se a vida for mesmo esse vencimento acho melhor não irmos de carro vamos começar do começo:
encostamos nossos braços
suados e rimos pedindo desculpa
é que viemos a pé
logo nos oferecemos simpáticos
para carregar objetos
com licença posso ajudar
iniciamos conversa
ignorando possíveis estranhamentos
com interesse demonstrado
satisfeitos em trapacear
no jogo de passos contados
estreitamos laços
nas filas mais cheias.
IV.
Espalhamos os olhos
bastante atentos ao que vai sendo deixado
gravamos rostos e figuras
aquilo que for de mais sensível
é ganho fica entre nós
delicadeza como moeda de troca
nos torna os novos ricos do não material.
Escolhemos o quadro torto
na parede do corredor infiltrado
como souvenir
de exercícios pessoais
saudosismo em território neutro
contendo umidade e cheiro de café.
Lá permanece pendurado contra luz
emitindo chamados inaudíveis
numa língua que nós já tão prontos
traduzimos
e não há relógio algum
que faça o antigo trajeto.
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A gratidão que tenho pela sua sensibilidade, pelo seu jeito com as palavras e como tudo me conforta!
ResponderExcluirEis aqui uma leitora muito das antigas, conheci seu blog em meados de 2010, junto ao fotolog e desde então me apaixonei por cada texto, poema, relato seu...
Muito tempo depois, em meio a uma crise onde misturo lágrimas e tristezas, corro em busca de sentimentos nos seus textos, e me pergunto, quem será essa menina, que me ajuda tanto sem saber.
Moça, eu estava chorando minutos atrás, mas me acalmei ao ler algumas palavras feitas por você.
Gratidão.
Sou grata demais por essas palavras, por saber que de alguma forma eu lhe fiz bem! Muito obrigada, de todo coração! <3
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