quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Carta à uma aniversariante ausente.



Eu me lembro como se fosse ontem da gente com os pés na areia , aos seis anos brincando de pique correndo sem camisa, fazendo bolinhas de sabão em canudo de refresco . Naquela época era tudo mais colorido ,tudo era mais fácil , hoje as coisas tem ganhado um ar meio cinza e nós duas virando 'gente' . Eu recordo de ter te dito que a cor cinza me agradava , que eu gostava da tonalidade , que essa cor lembrava de como a tristeza engolia o mar e fazia com que o horizonte se perdesse. A gente gostava de se perder e encontrar outros caminhos lembra ?. Hoje eu acho que de todas as cores eu prefiro o preto, a ausência completa de cor


Mais de uma vez nós partilhamos uma mesma insegurança, e antes a insegurança tinha a ver com não fazer a lição , com que cor de giz a gente riscaria a amarelinha pra pular antes das dez, que era nosso 'toque de recolher' pra aula do dia seguinte .

Queria que soubesses que minha vontade de te ter perto ainda é a mesma, de falar sobre coisas relevantes,insignificantes, de contemplar ao redor, de sentir cheiros, de olhar para baixo e ver sempre o meu pé ou o chão ou o seu pé encima do meu quando a gente brincava de ''pisão'', de fazer barquinho com a língua, de fazer bolhinhas de saliva, de olhar pro teto, de procurar estrelas, de ser perseguida por espelhos

Não , não pense que eu desisti daquele nosso plano de ser ''forever young'' , nós sempre seremos excepcionais, magnânimas, gigantes. Independentemente de crescermos ou não mais alguns centímetros, se vamos engordar, emagrecer, ser bailarina profissional, ou advogada , veterinária, se vamos saber cozinhar, se seremos muito inteligentes ou burras demais, se a gente aprender a voar, se resolvermos nos jogar da janela, se ficarmos horas estáticas , se seremos poliglotas.

Não importa minha irmã, o que é 'do homem o bicho não come' , vovó sempre nos dizia e você sabe.O caso é , eu não vou te largar de mão.

E por mais que as coisas tenham mudado conforme fomos crescendo eu não me sinto impedida de te amar sem limites. E que saudade filha da puta que me dá de te levar comigo pra onde quer que eu vá , de comer bobagens às seis da manhã , de sair sem ter hora pra voltar, ou até mesmo de nunca sair e só ficar no marasmo , de querer sempre ficar. De ter todas as sensações, sempre, o tempo inteiro. De tentar entender.


E hoje você completa mais um ano de vida , quero que tome nota de que por dentro a gente sempre vai ser assim , até os nossos oitenta e poucos anos.Nossa essência estará ali intacta, a gente vai rir da lembrança daquelas duas garotas que brigavam por qualquer coisa , que se afastavam e que se grudavam em seguida ,por não saber lhe dar com a ausência uma da outra .As amizades de infância são as melhores e são pra sempre. Sabendo ou não cortar bolo ou pedir pizza.

Eu te amo, isso basta e excede qualquer explicação.