quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Traços




Hoje depois da chuva ela reparava o sol tentando sair. 
Luz escassa beirando as nuvens. Nublado

Pela janela observava a imensidão da rua, 
as linhas que os aviões iam deixando no céu. Rastros

Enquanto apoiava o moleskine amarelado nos joelhos 
ia fazendo esboços, era um pedaço seu 
tracejado em finas linhas tortas.

Eram mimos pra te fazer ver, te fazer sentir, 
já que falar era um bocado difícil para ela.

Mesmo não achando palavra exata na hora certa, 
tinha tantos meios pra se virar do avesso, 
e eram tantos que a realidade chegava a transbordar pelos olhos.

E naquele dia cinza em que o sol parecia amofinado, 
se pegou tão desastrada que já não sabia o que desenhar. 
Cabeça toda em branco, mente vazia embora tivesse o coração cheio.

Como se fosse cachorro querendo deitar no tapete da sala
ela dava voltas, rodava a ponta do lápis. 
Formando círculos.

E logo a idéia veio.

Puxando um traço embaixo dos pequenos círculos, 
rabiscando pequenos fios, algo leve e infantil, visualmente doce.

Lá estava, eram balões.                                                                             

E talvez indicassem mesmo o que muitas vezes tinha medo de colocar em palavras, 
mesmo que isso tudo aos seus olhos sejam simples bexigas de gás.
Para ela tinha significância.

Indicavam com precisão as vontades escondidas, 
dessas de quando os sonhos se acumulavam, querendo tanto virar verdade.

Ia espocando os balões cheios de mágoa, enchendo um por um de gás hélio. 

Respirava fundo à beça, tentando falar com outra voz, 
pra te fazer escutar ao menos desta vez. Tentativas.

Escreveu teu nome no último balão e soltou. 
Vez ou outra ainda espia pela janela pra ver se um dia volta.
Liberdade

Coisa bonita de imaginar mesmo é a vida da gente feita de sorrisos francos 
e de passadas largas, como nos desenhos.

Mas como sorrir se nos desenhos em que se auto retratava 
os personagens raramente tinham boca?

E quando a perguntavam o porquê, vinha com a resposta na ponta da língua: 
‘A menina não tem boca por não saber dizer tchau. ’

Não se cansava de dizer isto todas as vezes em que era questionada.
Mal sabiam todos que se tratava dela mesma, 
bem escondida em cada pedaço dos desenhos.

Mesmo desprovida de ‘boca’, não vá pensar que não havia jeito de sorrir.
Nas horas em que a felicidade era tamanha que parecia não caber em lugar algum, 
os olhos rabiscados em seus personagens faziam todo o papel.
Nada convencional. E ela sabia.

O que lhe faltava na verdade eram modos, 
já que além de não saber organizar palavras e dizê-las 
ela se enrolava toda no quesito ‘despedida’, com a palavra ‘saudade’.

E todas às vezes tracejava uma série de coisas, pequenas ou grandes. 

Ia se prometendo assim um amanhã tão lindo e sossegado 
que ficariam guardadas ali alegriazinhas emprestadas que durariam até hoje.





(Agradecimentos especiais ao Brê : Deletando Palavras Digitadas , um amigo mais do que querido que me deu a idéia das bexigas de gás , e fragmentos de coisas escritas pra que eu  montasse o poema).

domingo, 16 de janeiro de 2011

Ela por ela mesma .

Café preto,uns tecidos para modelar espalhados pelo chão,
algumas idéias e muitos detalhes.
Muitos livros pra ler. Pouco tempo.
Direito e Letras, corre pra lá, corre pra cá.
Bolinhos de arroz após o jantar.
Duas réguas para te medir,
um molho de chaves para nos trancar,
vários pincéis para pintar/colorir.
Um estilete para nos separar.
Meia duzia de sonhos, meus,seus,
e os que encomendamos na padaria da esquina.
Bolo de milho, família reunida na sala, alfajores.
Domingo a tarde, bala kid's, filme, brigadeiro de panela com pipoca.
Rádio tocando ''Her morning elegance'' do Oren Lavie.
A arte de sorrir com os olhos.
Ficar na ponta dos pés,equilibrar à mim e a todo o resto,
segurar firme pra não deixar cair.
É, exatamente isso tudo e mais um teco.
Prolixa,insistente, boba e crônica .
Sou uma pitada de açúcar em meio a confusão.