quinta-feira, 4 de abril de 2013

Saudade tem nome, endereço e telefone.


Para  Ronny, com imenso e genuíno amor.






''Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?
Amar o perecível,
o nada,
o pó,
é sempre despedir-se.''

(Hilda Hilst)




''Os meses passaram e me levaram a poesia'', foi o que pensei por ter ficado tanto tempo estacionada nessa quase certeza, digo ''quase'' pelo pavor desse furto, do meu descuido em ser menos gente e mais verdade e por querer tanto que o quase desaparecesse logo e me deixasse de uma vez, só com as palavras na sala, soltas comigo pra ver o que podia acontecer. Digo ''quase'' por ter te escrito aquela  carta e chorado, desejado teu bem e um abraço que me fizesse lembrar.

O sal da despedida me trouxe o gosto da tua vida, sempre tão vizinha da minha, já se mudando daqui.  Saí do teu abraço pra me retornar e ter absoluta certeza de que não fui violada, talvez seja melhor afirmar que a poesia ficou adormecida nessa linha entre a sensibilidade das situações e a nossa dificuldade em (trans)passar por cada uma delas, na sutileza em recusar o novo ou em perceber que nossas pernas se esticam em passos opostos e, às vezes, impossíveis de acompanhar.

O fato de ter pegado nas tuas mãos de menina e ser compelida a soltá-las enquanto mulher, me dói até agora feito um papel que me corta as peles. Abri aspas na confusão, respirei fundo e escrevi pra esquecer das distâncias. Pinto sempre a gente na memória, só que hoje achei melhor fazer assim, pra (re)lembrar quão valiosos são os registros e a amplitude dos limites que a gente ainda pode desbancar.

Meu despreparo surge quase irreparável, intimidado pelas ausências, carente de aceitação. Pelo visto vou mesmo ter que me ajustar com a impossibilidade de encontros ocasionais, treinar a rotina sem incluir o ''te ver a qualquer hora na rua de trás'', mesmo sabendo que ainda vou passar várias vezes por lá, de olhos compridos, coração nas mãos e cabeça na lua, por não ter caído a ficha nessas condições.

Ser ciente da obrigação de ir e querer continuar no mesmo lugar, ter o corpo inteiro do lado de lá e, ainda assim, continuar pulsando o coração aqui. Das minhas inúmeras definições de saudade, nenhuma  cabe ou se aproxima da gente, talvez funcionem  no máximo como um aceno, perto dessa coisa sem nome ou reprise, que é o privilégio de se torturar com recordações por ter vivido tão bem.

9 comentários:

  1. É por vezes imensurável e indescritível a saudade, é tão pulsante e tão abstrata que foge da gente e inebria nossos sentidos. Dói e a toda vez que dói, aumenta como se fosse um ser vivendo dentro da gente que se alimenta da dor.

    Amei a postagem.

    Fiz um post, "Leitura". Adoraria receber sua visita no Mue Canto. Cola lá? (cantodalianah.blogspot.com)

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  2. Estranho foi começar a ler seu post e começar a tocar Ne Partez Pas, da Rose. haha
    Enfim, tem Hilda. Já é um amor grande. Tem lembrança tua que parece que fiz parte. Tem a confusão e o medo de perder a poesia.
    Despedida de amigo é como se fosse 10 despedidas, de uma só vez, sem espaço de tempo. Um rasgo que não sara.

    enfim, ne partez pas.

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  3. Nunca li a Hilda, mas ouço com apreço um CD que o Zeca Baleiro produziu com cantoras femininas musicalizando os poemas delas. E meu Dionísio, ouço sem piedade. Fiquei até encucado pra saber se tens um livro dela por ai. Se rola um empreste, e assim talvez role até uma saudade, quem sabe eu faço que lembres que existo. Bom, de todo modo não vim falar só disso, vim para outros fins também: A tua amizade com a Ronny é bonita. E como beleza é só um caráter físico, posso apostar umas duas moedas de ouro que isso transcende muito do material. Espero que fique tudo bem, que saudades morram e que a amizade de vocês faça o oposto a cada dia.

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  4. Eu fico esperando tuas escritas, ansiosa.. quando chegam me bate uma felicidade porque tu é demais, escreve muito bem!

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  5. " (...) mesmo sabendo que ainda vou passar várias vezes por lá, de olhos compridos, coração nas mãos e cabeça na lua, (...)
    Ser ciente da obrigação de ir e querer continuar no mesmo lugar..."

    Não imaginas o quanto gosto da tua maneira de contar tuas coisas. E só comento tão pouco porque temo me exceder.

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  6. Tão lindo esse último parágrafo... Me identifiquei.

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  7. Estava rodando pelos blogs e achei o seu. Adorei o espaço, tem o diferencial que eu não vejo em muitos. Já li um bocado, mas falta ainda muito para acabar. É certo que lerei todos os posts. Passe para me visitar, também. =*

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  8. Lindo lindo mais que lindo. O amor todo resumiu-se no ultimo parágrafo.

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  9. O último parágrafo me fez suspirar. Lindo demais!

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