sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Árida




Tenho certeza de que, nos intervalos entre um dia e outro, deixei meu texto adormecer. Coloquei em mim tão fundo, como quem baixa a guarda e dá permissão. O medo passa e rumina a vida, empurra o tempo e engole o mundo. Já não sobra nada, além de velar palavras, até que o peso da existência rompa o fio que a memória sustenta. Suspendi inconsciente todas as formas de expressão, num varal de ideias que tomei por secas, um corpo todo de palavras mortas, golpeadas pelo tempo.

Nunca soube digerir isso da forma mais sensata, tudo que passa por mim demora a ser processado, acho que meu coração mastiga muito devagar. Desde que me entendo, me desmistifico, dei pra reunir em mim todas as complicações do mundo, míope de beleza ou explicação. Queria estabelecer um ponto fixo pra alcançar,  sem ter que chegar no de interrogação, sem ter que lidar com a carência de gestos, pequenos ou grandes, demorados ou não, mas irrevogavelmente significativos.

Do gesto errado à omissão, são dois extremos. Um passo comum e iminente ao erro, embalado por uma consciência sempre ignorante ao pavor da expressão. É a falta de conhecimento que traga a tentativa, frustrando todo e qualquer esclarecimento, extinguindo futuros gestos, secando todos os poços. No caminho olho uma pedra e já não vejo nada além dela, respiro imersa nessas tristezas que não interessam aos jornais. Me engravido do que falar e aborto logo em seguida, todo esse ceticismo poético me aborrece demais.

Fico no aguardo de aprender a viver e quanto mais vivo, menos sei de tudo. Quero imenso aquele amor pra mitigar meu cansaço, mas ando tão seca pra me derramar assim, por cima das vontades dos outros. Se eu mesma estou alheia, sem sequer saber levar minha palavra pra passear do lado de fora das frases, como então esperar que alguém consiga depositar suas esperas em mim?

15 comentários:

  1. Que bom que voltou, sentia falta dos teus escritos. Eu também me sentia assim, seca, sem uma voz de poesia dentro de mim. Mas que pelo menos a falta da poesia traga ela de volta. Seu texto amadureceu bastante com o tempo. Continue, não desista.

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  2. "Respiro imersa nessas tristezas que não interessam aos jornais."

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  3. Muito lindo seu texto. As vezes sabemos que algumas coisas nos fariam tão bem mas não nos sentimos pronta para recebê-las.

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  4. Enquanto estiver árida, o solo não estará propício para que cresça algo. Mas quando esta aridez for embora, pode render grandes frutos. Pense nisso, menina!
    Texto de uma intensidade tremenda.

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  5. Cara, preciso dizer: você escreve bem demais. Há uma verdade nas suas palavras, uma força, uma... como posso dizer? Uma intensidade, que chega a ser poética e filosófica. Não sei, mas quando eu li isso cada linha me dava margem a um pensamento, a uma reflexão. Você sabe como cutucar as pessoas, moça. E isso não tem nada a ver com facebook. hahaha Você cutuca nosso intelecto, mexe com a nossa alma, com o nosso coração. Gosto de gente que escreve assim, com esse poder todo.

    Continue escrevendo. Sério.

    Sacudindo Palavras

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  6. ei querida!
    obrigada pela visita lá no "As Cores Dela" e pelo comentário tão doce, que me deixou feliz... não sei se é assim com você, mas, algumas vezes, acho que escrever é uma forma de compartilhar sentimentos e é muito bom quando nos identificamos com algo que lemos ou quando se identificam com o que escrevemos: dá a impressão de que estamos menos "sós"...

    e nem preciso dizer o quanto amo vir aqui né... adoro seus textos e o blog inteiro! você escreve muito bem... fico de olho sempre e, quando vejo que tem postagens novas, corro pra ler...

    um beijo e obrigada por compartilhar tantas coisas belas.

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  7. És intensa. Tenho uma vontade imensa de conversar contigo. Quem sabe te encontro pelas ruas de Belém numa dessas tardes de chuva hahaha enfim, gosto muito daqui, da tua prosa poética, desse lirismo que dói e dá prazer de ler, de toda a intensidade, etc. Gosto daqui mesmo. Beijo grande.

    Ah,"acho que meu coração mastiga muito devagar". Bom, o meu mastiga tão rápido que até engasga.

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  8. "Dei pra reunir em mim todas as complicações do mundo." E não consigo descomplicar.

    Como eu amo mergulhar nos teus textos, linda.

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  9. ...E todo dia estou nessa busca, de aprender a viver.

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  10. Se estamos perdidos em nós mesmos temos que nos encontrar, só assim para alguém poder depositar esperas em nós.
    Gostei da forma como você escreve.

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  11. Tens inquietação na dose certa, e a colocas para fora com extrema elegância. Estou a cada dia mais fã do que tu escreves, bem no estilo do que gosto de encontrar para ler e viajar por alguns minutos. Muito bonito, tudo!

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  12. Navegando, encontrei este espaço, vou ficar e acompanhar...

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  13. "...acho que meu coração mastiga muito devagar" De todo o texto essa foi a frase que masi me chamou atenção, acho que tens razão, corações mastigam e digerem, uns mais rápido, outros nem tanto...

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  14. ''Fico no aguardo de aprender a viver e quanto mais vivo, menos sei de tudo.''
    Muito bom!

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